terça-feira, 4 de janeiro de 2011

POR FAVOR, ME AJUDA DOUTOR !


POR FAVOR, ME AJUDA DOUTOR !

-Meu nome é Júlio Batista ,tenho 24 anos .O que eu vou contar nessa sala é algo forte e pessoal .
Júlio faz uma pausa, leva as mãos a cabeça, recupera o folego e continua ...
-Comecei aos 18 anos frequentando pequenos espaços silenciosos, tudo cheirava mofo, sabe como é lugares cheio de coisas antigas?
-Seja forte meu filho coloque tudo que senti pra fora, desabafe, vai te fazer bem.
-Comecei doutor por causa dos amigos, eles me diziam pra entrar que não iria fazer mal,que é o maior barato,que ia trazer conhecimento... Caí como um patinho. Depois que está viciado eles vão embora e ficamos perdidos, malditos amigos invisíveis .
Eu nunca quis doutor, eu juro! Nunca quis entrar nesse universo solitário.
Numa sexta feira, 18 de abril, de 1990 .Nunca esqueci essa data .Fiz o meu primeiro contato, pensei... estou seguro, afinal sou jovem descolado e ninguém pode me forçar a nada. Entrei.
-Pode chorar filho, quer um copo com água?
-Não doutor, tenho que continuar.
-Caí na tentação, pensei ... vou olhar só as figuras, o que umas figurinhas vão me fazer? subestimei ,esse foi o começo do meu drama .Senti calafrios na espinha ,um horror, todo aquele silêncio... como as pessoas podiam viver daquela maneira ? O cheiro me incomodava, malditos viciados, caí meu Deus, como desmoronei . Aquelas palavras, frases e pensamentos, sentia-me muito mal .Na primeira semana me lembrei da vida que tinha, baladas alegres, madrugadas ,cerveja gelada ...foram apenas lembranças de uma vida que não me pertencia ,mais eu queria mais sempre mais, louco ,totalmente louco .
Entrei nesse mundo filosófico, livros terríveis , maldita Ayn Rand e sua honestidade. Destruiu minha vidinha normal, tudo se modificou, personalidade, meu caráter, pesadelos me cercavam todas as noites:..
''O homem deve definir seus valores e decidir suas ações a luz da razão, que o indivíduo tem direito de viver por amor a si próprio sem se sacrificar pelos outros e sem esperar que os outros se sacrifiquem por ele, ninguém tem o direito de usar força física para tomar dos outros o que lhe é valioso ou de impor suas idéias sobre os outros''. Ayn Rand gritava isso na ponta da minha cama .
Ninguém me reconhecia, mais perdi todos os amigos das sexta- feiras .Minha mãe me chamava de louco solitário. Numa tentativa desesperada pediram a presença do pastor João da igreja ''Tudo se leva'', me disse que filosofia é coisa do diabo que eu tinha que ler a bíblia sagrada ,até tentei, li algumas passagens mas não entendia aquela bosta toda ,toquei fogo, queria algo forte, a bíblia é mal escrita, tipo água com açúcar. O que eu faço doutor ?
Meu mundo são bibliotecas e livrarias, não tenho amigos, vivo trancado em casa ,virei intelectual e o pior, me acho melhor que os outros que vivem ao meu redor ,estou doente doutor ,me ajuda ,escuto musica clássica, frequento teatro, sarau de poesias... Nerd ,odeio nerds ,estou cheio de espinhas... por favor, me ajuda doutor.
-Filho, seu caso é impressionante, quem bota a mão na cumbuca e não segura o onda come merda. Não posso fazer muita coisa por você, a única saída que vejo está aí na escrivaninha. Abre essa gaveta, coloque apenas uma bala, acabe com esse sofrimento, um tiro apenas,
Hum... deixe-me sair da sala primeiro.

Ed. 2011

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