sexta-feira, 16 de março de 2012

ERA DO RADIO


A ERA DO RADIO

A mão e a chave, o buraco da fechadura, abrem-se a porta. Ali estava entrando uma mulher de óculos cabelo curto e pinta no queixo. Uma língua do tamanho do mundo.

-Estou cansada quero tirar esses sapatos, estão me matando. Olha o jeito que ficou meus pés cheio de bolhas, bem que você podia me carregar no colo não vou agüentar subir as escadas.

Carlos ao ver a esposa naquele estado comenta:

-não se divertiu muito essa noite.
-Gosto muito de ir ao teatro, só não aprecio esse tipo de peça. Oto Varella é um péssimo diretor, seus roteiros são de um mau gosto tremendo, que horror aqueles figurinos só a Lucia mesmo para me fazer gastar dinheiro com esse tipo de programinha vagabundo, devia ter ido ver o Alfonso Mesquita, pois sentinelas da liberdade deviam estar muito melhor.
-Que isso? O rapaz não é tão ruim assim, ele apenas nos passa a realidade de coisas que as pessoas escondem.
-Pra mim isso é pornografia barata, uma imitação de Nelson Rodrigues, tudo ali é apenas copia mal escrita de ‘somos dois’, um sujeito que gosta de falar da desgraça alheia, parece programa do Dativo careca.
-Eu não acho apelativo, isso é apenas uma visão cristã sua, até parece que você não gosta de um bom bate boca. Quer saber Candinha?Você está precisando de um banho e uma cama bem quentinha, esse tipo de conversa não vai nos levar a nada, vamos acabar discutindo.
-Eu acho esse Oto Varella um louco depravado e pronto, devia estar num hospício. visão cristã bate boca? Até parece, acho bom você começar a não apelar se não vai dormir no sofá, ele não sabe o que é teatro e pronto.
Carlos sorri:
Você é uma mulher muito cruel dona Candinha, eu acho ele tão talentoso, é um pouco maldoso mais eu gosto do jeito dele de falar de certos assuntos.
Chega, agora chega! Vai ou não vai me carregar no colo?

Sorrindo ele a pega no colo dando- lhe um beijo ao subir as escadas.
Esse foi mais um programa da série a ‘’língua da Candinha fere’’! Num oferecimento do café tradicional você toma lendo o jornaaaalll.

Do outro lado da cidade alguém ouvia um programa famoso na rádio.
-Olha o que a Candinha mexeriqueira está falando da minha peça. Que eu sou copia de Nelson Rodrigues, isso é um absurdo! Trabalho tanto no meu espetáculo vem uma língua de trapo e fala isso, é uma critica sem fundamento.
-Calma querido, olha o coração.
-Que calma Amélia? Estou cheio desse programa de rádio vagabundo toda semana sou citado. Isso é perseguição.
-Oto, Oto isso é apenas fofoca dessa Candinha.
-O pior é que todo Brasil escuta isso.
-Não pode dar ouvido. Nunca ouviu o ditado?Falem mal, mas falem de mim?


FIM

Ed.2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

O garoto que mora dentro de um latão de lixo.


O garoto que mora dentro de um latão de lixo.

Ed.2012
Em alguns minutos esqueci quem eu era, quem eu fui ou quem sou.
Esqueci da minha mãe, filha e namorada.
Esqueci dos bons colégios que estudava.
Esqueci das belas flores que plantava.
Por alguns minutos, frações de segundos.

Eu vivo no latão de lixo, me alimento do lixo
Sou o verdadeiro homem lixo, flagelo humano.

Estou me lembrando, já faz um ano.
A mão, o cachimbo... Algumas tragadas puxadas.
Joguei fora o que eu mais amava.
Minha mãe não quer saber. Me expulsou de casa
Quando minha filha passa, me escondo.
A namorada que eu tanto amava me trocou por outro cara.
Bons colégios de nada me servem na minha triste caminhada.
As belas flores que plantava.
Amanhã enfeitarão o meu caixão que descerá numa cova rasa.

Eu vivo no latão de lixo, me alimento do lixo
Sou o verdadeiro homem lixo, flagelo humano.

quinta-feira, 1 de março de 2012

UMA ÓPERA BRASILEIRA


UMA ÓPERA BRASILEIRA

O beco da faca orgulhosamente apresenta. ‘’Papai e mamãe’’!!!

Num cenário revestido todo em madeirite no alto do morro.
Algo digno de pena, a vergonha nacional.

Barraco, barraco, barraco, em volta o esgoto que cheira mal.
Decorando o canto na sala uma TV 14 polegadas, um sofá rasgado coberto com lençol.
Estou em casa, sou a única platéia da ópera da miséria.

Entram em cena os artistas do espetáculo...

Papai ficou bem maquiado
Mais um dia desempregado
Mamãe magrela de tanto ralar a barriga no tanque
Tem dias que nem come.

Bem vindo à ópera do pobre soco tapas e pontapés
Maria e José.

Abre- se as cortinas.

Mamãe xinga o papai de vagabundo ordinário
Papai não fica calado, pois se sente humilhado. Desfila o primeiro tapa.
Mamãe se levanta partindo para cima. Ela é mais fraca.
Papai covarde joga mamãe no chão.

Outra vez? Outra vez? Eu gritei, mas infelizmente ninguém me escuta.

Mamãe pega a corrente do cachorro e tenta se defender revidando com um golpe certeiro
Papai fica tonto, escorre sangue
Então eu me escondo e choro. Não posso me meter, suor frio coração dispara. Penso...
Se eu ficar aqui vai sobrar pra mim, abro a porta devagar... Ah, me esqueci. Meu nome é Salazar.
Vou morar na rua
Vou crescer
Vou roubar
Vou te matar
Você tá me olhando porquê rapá?

Ed.2012-01-27